Friday, December 15, 2006

Eram Dois

Eram dois. Eram dois brincando de ser um. Belos, mas ele belo como um garoto e ela bela como uma menina. Eles tinham esse plano de segurar o mundo todo, cada pedaço de terra e água, e mesmo areia, vento e gás nas palmas abertas de suas mãos. Como todos os que sonham com força demais nem desconfiavam o que fariam se conseguissem o que desejavam, caso se tornasse real. A pergunta aqui é minha, não era deles e pode ser sua: se você junta todo os sonhos você tem uma realidade? Suponho que seja um pouco mais complicado.
Ela é a minha favorita, por isso começo por ele. Ele que seria a regra de onde ela transborda. Ele que não era triste até ficar triste. E a verdadeira tristeza é que eles eram um só num segundo e a natureza exige movimento. Ele a amava com urgência, porque esse é o jeito tolo dos homens e porque pressentia o inevitável. Essas nuvens marrons, esses pássaros negros voando, coisas que ele roubara também. É aqui que eu digo que ele roubava. Mas não roubava nada de uma vez, inteiro, era sempre em pedaços iguais. Era o espaço destinado à geometria em sua vida. Em casa sozinho, congelava cada pedaço e pendurava em algum lugar alto. Ela achava lindo, ele achava a vida. Ele roubou vários pedaços dela por causa daquele pressentimento que falei.
Ela é a minha favorita, por isso a guardo para o fim, ou para perto do fim, que o fim é triste e eu odiaria vê-la triste. Preferia sim arrancar um olho dele. A verdadeira tristeza é que eram dois e não há o que fazer quanto a isso. Se cada gota de chuva é um absurdo de sentidos, que dirá ela que trazia consigo cada dia de chuva. Cada noite e cada tarde também, embora essa divisão só faça sentido para nós, incluindo a ele. Ela roubava as coisas tudo de uma vez, inteiro, porque achava mais fácil guardar uma coisa só. Quando o sol estava forte ela usava tudo que roubava para fazer sombra. Não queria falar mais dela que dele, mas sou homem, é inevitável. Ela o amava sem maus presságios, porque mesmo menina sempre soube que acaba e começa e acaba. E começa.
Eram dois juntos, mas os deuses tiveram inveja. De algum jeito pernicioso, mau e implacável como só Eles podem. O garoto e a menina ouviram a música desde que ela começou lá longe até desabar sobre eles. Quando a música acabasse só haveria um dos dois de cada lado.

3 Comments:

Blogger Urso said...

que bonito!

5:02 AM  
Blogger no hay otros paraísos que los paraísos perdidos. said...

belíssimo.

10:44 AM  
Blogger mario elva said...

Se vcs, duas criaturas belíssimas disseram isso, quem sou eu para discordar. Já posso abandonar a carreira e me dedicar ao comércio.

1:00 PM  

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