Saturday, December 16, 2006

Já Era

- E aí, que horas são?
- 24 divididas em 2 períodos de 12.
- Boa essa!
- Qual?
- Você não toma jeito!
- Não, não.
- Mas já está quase na hora.
- Não, já passou da hora faz muito tempo.
- Por que você não me avisou?
- Eu esqueci.
- Quê que a gente combinou? Você tomava conta das horas e eu...
- Você por acaso fez a sua parte?
- Claro que fiz!
- Ah, fez...
- E agora?
- Agora já era.
- Talvez não.
- Acho que sim.
- E se a gente continuasse sem ligar para a hora?
- Sem chance.
- Que merda!
-É.
(Silêncio desconfortável)
- Que horas são agora?
- Faz diferença?
- Claro que faz!
- Não era pra ser antes?
- É. Já era.
(Silêncio breve e resignado)
- De repente é até melhor...
- O quê?
- Ser assim.
- Acho que não.
- É, pra falar a verdade eu também acho.
- A gente podia seguir em frente como se nada houvesse acontecido.
- Mas...fora de hora...na hora errada?
- Por que não?
- Não parece certo.
- Certo não é...
- Melhor esperar.
- Esperar o quê?Não me lembro se eu sei o que se espera...
- Sei lá, esperar.
- Vai ficar cada vez mais tarde.
- Cada vez mais distante da hora certa.
- E mais escuro.
- Mais frio.
- Sabe, é melhor nem falar mais...
- É.
-...
-...
(Silêncio incômodo)
- Não consigo.
- O que?
- Ficar sem falar.
- Eu consigo.
- Consegue nada!
- Se você parar, eu posso ficar em silêncio para sempre, que nem uma estátua.
- Sem se mover também?
- Talvez.
- Duvido.
(Silêncio razoavelmente disciplinado)
- Viu?
- Não.
- Como não?
- Eu fechei os olhos, não percebeu não.
- Por que?
- Não queria ver.
- Mas você percebeu o silêncio?
- Não ouvi barulho nenhum.
- É a mesma coisa.
- Não é a mesma coisa.
(Silêncio até certo ponto incômodo)
- Lembra quando te perguntei que horas eram?
- Ahn.
- O quê que você respondeu?
- Que eram 24 horas divididas...
- Isso mesmo. Eu não concordo.
- Ah não?
- Não. Eu acho que cada hora é diferente.
- Nenhuma é igual?
- Nenhuma.
- Então elas nunca se repetem?
- Não. cada hora é uma nova hora que não tem nada a ver com as outras.
- A não ser o fato de que são horas todas elas.
- Sei lá, nem nisso se pode confiar.
- É.
- Então você concorda comigo?
- Não!
- Mas você disse "é".
- "É" não é sim.
- Mas você disse "é" depois de uma afirmação minha!
- Eu não estou prestando atenção.
- Desisto!
- Desisitir é algo que sempre se pode fazer.
- Filosofando agora?
- É só a gente falar algo menos trivial que já dizem que estamos filosofando!
- Tá me chamando de estúpido?
- Eu não disse isso.
- Eu devo ser um estúpido mesmo!
- A possibilidade existe.
- Você nem percebe que isso faz de você no mínimo a companhia de um estúpido.
- Você não me faz companhia.
- Pelo que me consta você não está sozinho.
- Todo mundo está sozinho.
- Quê que deu em você?
- Nojo.
- De quê?
- Quase tudo.
- Coisa óbvia!
- Não acho óbvio!
(Silêncio óbvio)
- Confesso que às vezes também tenho nojo.
- Depois que eu falei, fica fácil né?
- É impossível se comunicar com você.
- É, não é fácil.
- Não sei por quê eu insisto
- Mas quem garante que é possível...
- Você não ouve...
- ...se comunicar com quem quer que seja...
- ...é pura perda de tempo!
- ...é pura perda de tempo!
(Silêncio surpreso)
- Parece que concordamos enfim!
- Preciso dizer uma coisa. Preciso muito.
- Diga.
- Eu te odeio.
- O quê?
- Eu te o-d-e-i-o.
- Ah tá...Tinha entendido outra coisa.
- Entendeu o quê?
- eio...deio...feio...algo assim...
- Eu tinha que dizer...
- Desculpe não ter entendido.
- Que diferença faz?
- Toda. Eu não entendi, é como se você não houvesse dito.

FIM, por ora.

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