Sunday, December 17, 2006

Astral Weeks - Van Morrison

I'm caught one more time down on Cyprus Avenue. Não tem jeito, vez ou outra eu passeio por lá e pior que nem fico assim tão feliz. Eu sofro. Eu canto junto e estrago a música. Eu tento entender o mistério e falho e me assombro cada vez mais com a força e a beleza desse disco. Van Morrison é o melhor cantor da música pop. Tá, ele vai lá e suga o que pode de Ray Charles. Ok, a soul music sessentista está cheia de vozes angelicais e demoníacas, perfeitas. Mas a questão é essa. A humanidade da voz do irlandês mal-encarado.
Van canta com desespero. Muitas vezes sua voz soa anasalada e estrtidente. Em "Madame George", repleta de goodbyes inevitáveis, trágicos, ele não consegue as notas que pretende. Mas ele tenta heróico no auge dos seus vinte e poucos anos. "And the love that loves to love the love...And the backstreet and the backstreet..." Do que ele está falando meu Deus? "Dry your eye your eye your eye your eye your eye...say goodbye...".
Os primeiros versos do disco não querem dizer nada. "If I ventured in the slipstream/between the viaducts of your dream" são o tipo de verso que fazemos quando a mulher que a gente deseja caminha (paira) por ruas inatingíveis, vestida em roupas impossíveis, hipnotizando até as bombas de gasolina, fazendo flores crescerem pelas rachaduras do asfalto. "Step right up, ballerina". Só que ela escolhe o outro cara.
"I'm nothing but a stranger in this world". O dano já está feito. (Era uma tarde de chuva, juro. Eu tinha um walkman em algum lugar dos anos 90. Estava na Ilha do Fundão, eu vagava por lá naquele tempo. Astral Weeks me possuiu naquele dia e nunca mais saiu. Eu estava triste, eu estava apaixonado por essa menina que mentia compulsivamente e eu mentia que era June e Henry Miller,mas não era, era só tristeza, era só o amor e seu jeito descuidado...)
"Beeeeeesiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiide yooooooooooooooooooooou, darling". Aqui é a perfeição. O instrumental é esparso, incompreensível, harmonia aleatória, erros, acertos. E aquela voz que faz qualquer coisa faz sentido.
"Sweet thing". E flautas fazem sentido. O baixo que desrespeita acintosamente as notas de todas as músicas faz todo o sentido. Isso não é jazz, isso não é folk, isso não é rock and roll de maneira nenhuma, isso é a música ancestral, direto do coração, isso sempre existiu desde que a primeira mulher da caverna deixou, descuidada, um homem das cavernas , dos mais esquisitos e solitários, com o olhar perdido.
"The Way Young Lovers Do". Não consigo pensar em nada mais bonito. Nos metais apaixonados big band, no violão excitado, a voz e avoz e a voz de Van Morrison, e o baixo igualmente delirante. Essa música desafia qualquer descrição, ela não é sobre a paixão de dois corações jovens, ela é essa paixão. Você já sentiu isso, se não sentiu, sua vida foi um fracasso. E como qualquer paixão, ela rapidamente incendeia e some, curta, porque a alegria que ela parece promover na verdade é trágica, porque sabemos que aquele êxtase já começa a acabar desde o primeiro acorde.
E o tempo vai passando nas semanas astrais. "Madame George" adeus adeus, "Ballerina" dance afinal o que se pode fazer? "Slim Slow Slider" é assim: "Everytime I see you I don't know what to do" e um som esquisito que parecem porradas no corpo do violão, enquanto o resto do instrumental parece se afogar lentamente.
Ninguém mais, nem o mestre Van conseguiria igualar essa obra-prima. Se tentasse, ficaria louco. Gênio como é, foi fazer algo mais saudável. Buscou uma musa mais estável, uma banda menos insana e fez o absurdamente bom "Moondance" e continuou até hoje criando música da melhor qualidade.
Se você quer uma crítica boa mesmo sobre esse disco, busque na net a de Lester Bangs. Eu não tenho o distanciamento crítico, eu sou um medíocre apaixonado.

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