Saco de Mentiras, cap. 4
A garota que namoro estava a alguns palmos sob a terra. Eu disse antes que o nome dela era Sandra, mas, de certa forma foi uma mentira. É tão difícil dizer qualquer coisa, não? Talvez seja só comigo, então. Essa mulher me dava a impressão de ser milhares e é isso que estou tentando dizer. Ou então tenho vergonha e medo do nome real dela. Você pode dar um nome a um gato, mas não quer dizer que ele tealmente tenha aquele nome. Eu queria dar alguma coisa a ela e estou dando vários nomes. Esses nomes não têm muito significado, são aleatórios. Ela vai ter uma centena de nomes, mas só 1 rosto, 2 seios, 20 dedos, incontáveis fios de cabelo. Essa promessa vou tentar não quebrar.
A garota que namoro estava a alguns palmos sob a terra, dentro de um vagão de metrô, sentada junto à janela, pensando que seria uma excelente idéia se pintassem desenhos coloridos nas paredes das galerias subterrâneas. Certamente as viagens seriam menos tediosas. Mas quem disse que querem nossas vidas menos tediosas? Quem disse que queremos nossas vidas menos tediosas? A resposta dá medo, a gente volta à minha namorada. Enquanto seus projetos de melhorias nos transportes urbanos não se concretizavam, ela fazia o que sempre fazia quando andava de metrô: pensava na morte.
Não, Clarice não era em absoluto uma mulher mórbida. Esses pensamentos só lhe vinham à cabeça quando estava debaixo da terra. As caveirinhas desenhadas nos avisos das paredes, alertando sobre o perigo dos trilhos energizados, também colaboravam. Na mente dela o fedor da morte se assemelhava ao da mistura nojenta dos diversos perfumes e cheiros da multidão de passageiros fechados no vagão com ela.
Ao lado dela um velho de um olho só, engravatado e com uma mala no colo, que ela tentava ignorar. Não conseguia, porque o velho não tirava seu único olho dos seios dela. Parte dela sentia-se satisfeita em provocar olhares desse tipo, mas a outra metade, a que falava mais alto hoje, se indignava. Quem dera a próxima estação fosse no Inferno!
Não era. Uma voz abafada disse algo que ela não entendeu pelo sistema de som do vagão, mas ela logo percebeu que era a estação onde devia saltar, São Francisco Xavier. Levantou-se e dirigiu-se à porta, não sem notar que o velho de um olho só já não olhava para os seus seios, mas sim para as suas nádegas. Teve vontade de xingar o velho, mas pensou com desprezo que homem é assim mesmo. Mesmo os de um olho só.
Clarice sentiu que seu humor melhorava ao subir os degraus em direção à superfície. Lá em cima o sol derretia a cidade. Ela saiu da estação, driblando camelôs, na direção da entrada da igreja de São Francisco Xavier, mas, mal deu dez passos, foi cercada por um homem sorridente, de 1,80m aproximadamente, caucasiano, com rodelas de suor na camisa junto às axilas, e óculos escuros na testa para disfarçar a calvície que se iniciava. Ele trazia um buquê de crisântemos na mão direita e um sorriso pegajoso. Clarice sorriu de volta e pôs os braços ao redor do pescoço dele, beijando em seguida o homem que não era eu numa tarde de sexta-feira.
Até a saída da estação os fatos me chegaram através da boca da própria Clarice. O resto quem me contou foi Félix, amigo meu de infância, que passava por ali saindo do trabalho. Ou passava por ali indo à zona de meretrício localizada na Praça da Bandeira. Eu já desconfiava que Clarice me traía, um corno sempre sabe. Quando meu amigo me contou, espumei de cólera, jurei acabar com ela, mas não sei por quê. Não era isso o que eu realmente sentia, não havia quase nada mais. Por que fingir? Por que eu achava que essa era a reação-padrão de um homem traído? Pela vocação para o drama que corria no sangue da minha família? Quanta mentira, sem necessidade. Eu minto tanto, igualzinho a vocês. Carreguemos nas costas nossos sacos de mentira estrada afora.
A garota que namoro estava a alguns palmos sob a terra, dentro de um vagão de metrô, sentada junto à janela, pensando que seria uma excelente idéia se pintassem desenhos coloridos nas paredes das galerias subterrâneas. Certamente as viagens seriam menos tediosas. Mas quem disse que querem nossas vidas menos tediosas? Quem disse que queremos nossas vidas menos tediosas? A resposta dá medo, a gente volta à minha namorada. Enquanto seus projetos de melhorias nos transportes urbanos não se concretizavam, ela fazia o que sempre fazia quando andava de metrô: pensava na morte.
Não, Clarice não era em absoluto uma mulher mórbida. Esses pensamentos só lhe vinham à cabeça quando estava debaixo da terra. As caveirinhas desenhadas nos avisos das paredes, alertando sobre o perigo dos trilhos energizados, também colaboravam. Na mente dela o fedor da morte se assemelhava ao da mistura nojenta dos diversos perfumes e cheiros da multidão de passageiros fechados no vagão com ela.
Ao lado dela um velho de um olho só, engravatado e com uma mala no colo, que ela tentava ignorar. Não conseguia, porque o velho não tirava seu único olho dos seios dela. Parte dela sentia-se satisfeita em provocar olhares desse tipo, mas a outra metade, a que falava mais alto hoje, se indignava. Quem dera a próxima estação fosse no Inferno!
Não era. Uma voz abafada disse algo que ela não entendeu pelo sistema de som do vagão, mas ela logo percebeu que era a estação onde devia saltar, São Francisco Xavier. Levantou-se e dirigiu-se à porta, não sem notar que o velho de um olho só já não olhava para os seus seios, mas sim para as suas nádegas. Teve vontade de xingar o velho, mas pensou com desprezo que homem é assim mesmo. Mesmo os de um olho só.
Clarice sentiu que seu humor melhorava ao subir os degraus em direção à superfície. Lá em cima o sol derretia a cidade. Ela saiu da estação, driblando camelôs, na direção da entrada da igreja de São Francisco Xavier, mas, mal deu dez passos, foi cercada por um homem sorridente, de 1,80m aproximadamente, caucasiano, com rodelas de suor na camisa junto às axilas, e óculos escuros na testa para disfarçar a calvície que se iniciava. Ele trazia um buquê de crisântemos na mão direita e um sorriso pegajoso. Clarice sorriu de volta e pôs os braços ao redor do pescoço dele, beijando em seguida o homem que não era eu numa tarde de sexta-feira.
Até a saída da estação os fatos me chegaram através da boca da própria Clarice. O resto quem me contou foi Félix, amigo meu de infância, que passava por ali saindo do trabalho. Ou passava por ali indo à zona de meretrício localizada na Praça da Bandeira. Eu já desconfiava que Clarice me traía, um corno sempre sabe. Quando meu amigo me contou, espumei de cólera, jurei acabar com ela, mas não sei por quê. Não era isso o que eu realmente sentia, não havia quase nada mais. Por que fingir? Por que eu achava que essa era a reação-padrão de um homem traído? Pela vocação para o drama que corria no sangue da minha família? Quanta mentira, sem necessidade. Eu minto tanto, igualzinho a vocês. Carreguemos nas costas nossos sacos de mentira estrada afora.
1 Comments:
bom.
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