Wednesday, February 21, 2007

As tachinhas do quadro de cortiça cheio de fotos de pessoas de quem ela fingia ser amiga tomaram vida e voaram pelo ar como insetos. Isso é só um pesadelo, Eleonor. Cambaleie pelo quarto atordoada, derrube o ventilador com o estardalhaço comum dos eletrodomésticos feridos. Vai que eu tô mandando.
Arraste seus 130 quilos até a cozinha e beba água do gargalo, ninguém está olhando mesmo. Eu sei que você pensa que sempre tem alguém olhando quando se acha que não há ninguém, mas você é paranóica, Eleonor. Não se deve contrariar os paranóicos, então não te contrario. Pára com isso. Não tente achar significado nas tachinhas voadoras, aliás, a partir de amanhã, não, a partir de hoje, desista de vez da interpretação do que quer que seja. Aproveita e joga fora a disciplina também, Eleonor.
É tarde já e amanhã você tem aula de tiro. Bang, Eleonor. Bem que você queria que fosse em mim, mas eu sou uma espécie de névoa, igual ao amor verdadeiro ou o lobisomem, sou história de outra época que não faz sentido aqui nesse prédio de apartamentos. Não tem como não ficar louca, Eleonor, gente em cima, gente em baixo, gente de um lado, do outro.
Volta pra cama. As tachinhas não vão voltar. Se preferir, deixe a luz acesa, que diferença isso faz pros monstros terríveis da madrugada? Sabe aqueles ruídos que você ouve no escuro desde menina, Eleonor? Tinha algo lá sim. Tinha e espreitava. É como os tiros, Eleonor, tem que ser na hora certa. Um dia você vai estar tranquila e desatenta, de preferência nos braços de algum desses meninos trêmulos que você seduz, minutos depois do amor, como dizem, alguma coisa vai acontecer.
Volta Eleonor, volta e conta carneirinhos. Toma uma pílula. Examina as rachaduras no teto. Se você fosse homem, Eleonor, eu te faria se masturbar e depois dormir. Mas isso só funciona com o outro tipo de monstro. Olha que engraçada a tua foto menininha de boca aberta em cima do piano da sala. O vento entra pela janela. O vento também sai, mas não se percebe. É a mesma coisa, dá para saber quando uma mulher vai dar a luz, mas nunca se sabe quando vai comer a cabeça do bebê. Se não fosse por você, eu acabaria com esse mundo, Eleonor. Talvez você seja o Messias, Eleonor. Todo homem que deita contigo sente isso e não consegue mais ir embora. Eu vou deixar você fazer o que quiser agora, Eleonor. Vai, vai. Não é terrível andar sozinha?

2 Comments:

Blogger salix said...

Caralho, mto bom demais. Nem tem mais além disso pra comentar, só palavrões.

Gosto mto do seu estilo de escrita

5:31 AM  
Blogger no hay otros paraísos que los paraísos perdidos. said...

eu gosto tanto desses monólogos... e me sinto cada uma dessas mulheres.

6:17 AM  

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