Coisas
- Eu também tenho uma mentira para contar - disse ele.
Ela olhou surpresa. Ele não mentia, que ela soubesse. E se mentia sem que ela percebesse, talvez mentisse muito melhor que ela, o que parecia imperdoável. Finalmente falou:
- Pode falar. Seria a hora perfeita, não?
- Já falei. Não te contarei a mentira. Só quero que você prove um pouco do próprio veneno, tendo certeza de que foi enganada por um bom tempo. Quanto à mentira em si, tanto faz. Você não ia querer saber, acho mesmo até que é bem mais feliz sem que conheça essa verdade.
- Foda-se você e seus ataques! - disse ela.
Ele não estava tendo um ataque. Ele estava se sentindo homem de novo depois de tanto tempo, iritando a mulher. Deve ter sido um dia assim com Adão e Eva. Saiu do apartamento antes que ela começasse a quebrar coisas ou falar coisas quebradas. O foda-se dela lembrou um poema que havia ouvido que era algo tipo "Foda-se, pareceu dizer ela/e foi se foder", que talvez fosse daquele poeta curitibano, mas quem lembra poemas ou nomes de poetas hoje em dia que não esteja querendo comer alguém? Sentiu uma leve vergonha do tempo que perdeu com coisas inúteis. Existem coisas úteis. Mas existem pessoas úteis?
Mas existem pessoas úteis? Qual a utilidade do seu corpo cada dia mais pesado e feio? Sua figura desengonçada só acrescentava feiúra à sua cidade já tão feia com ou sem ele. Por que não ligar para a prostituta nesse exato momento?
- Paloma?
Nome de pomba. O poético é que essa jamais voaria.
- Quer me contar uma mentira? A mulher linda do outro lado da linha não entendeu porra nenhuma, mas riu da pergunta sem sentido.
- Que é, seu doido?
Atualmente era sua mulher predileta no mundo, a puta. Dizia até que ele tinha mãos macias, mas não esqueçamos a clientela costumeira da pobre mulher, nem a avidez da mesma pelas duas notas amassadas que ele deixava distraído sobre a mesa toda vez. O problema com as outras todas não era as mentiras, mas as mentiras erradas que contavam. Paloma contava as mentiras certas. E sempre cheirava muito bem, a despeito de viver num barril de merda.
- Não, o quarto 201 não, mataram minha amiga lá. - Não foi o que ela disse uma vez?
- Hoje não quero sexo.
- Não quer me comer por que, Alberto? Eu tô feia?
- Não, nada disso, você está mais magra inclusive - Mentira. Estava mais gorda, mas mais gorda tinha mais bunda e com mais bunda seu corpo ficava mais perfeito do que o habitual.
Olhou para ela e notou os olhos da menina que ela um dia deve ter sido.
- Hoje só vamos deitar abraçados e esperar que essa noite imbecil seja a última de todas.
- Última?
- Nada, Paloma, estou meio bobo hoje.
Deitaram sob um cobertor encardido, nus. Ela falou algo sobre a sujeira nas paredes, mas se fôssemos parar e reparar na sujeira, nos suicidaríamos, todos, às 6 da manhã de um dia qualquer.
- Ouviu um barulho? - disse Paloma
- Não. Não ouvi nada.
Ela olhou surpresa. Ele não mentia, que ela soubesse. E se mentia sem que ela percebesse, talvez mentisse muito melhor que ela, o que parecia imperdoável. Finalmente falou:
- Pode falar. Seria a hora perfeita, não?
- Já falei. Não te contarei a mentira. Só quero que você prove um pouco do próprio veneno, tendo certeza de que foi enganada por um bom tempo. Quanto à mentira em si, tanto faz. Você não ia querer saber, acho mesmo até que é bem mais feliz sem que conheça essa verdade.
- Foda-se você e seus ataques! - disse ela.
Ele não estava tendo um ataque. Ele estava se sentindo homem de novo depois de tanto tempo, iritando a mulher. Deve ter sido um dia assim com Adão e Eva. Saiu do apartamento antes que ela começasse a quebrar coisas ou falar coisas quebradas. O foda-se dela lembrou um poema que havia ouvido que era algo tipo "Foda-se, pareceu dizer ela/e foi se foder", que talvez fosse daquele poeta curitibano, mas quem lembra poemas ou nomes de poetas hoje em dia que não esteja querendo comer alguém? Sentiu uma leve vergonha do tempo que perdeu com coisas inúteis. Existem coisas úteis. Mas existem pessoas úteis?
Mas existem pessoas úteis? Qual a utilidade do seu corpo cada dia mais pesado e feio? Sua figura desengonçada só acrescentava feiúra à sua cidade já tão feia com ou sem ele. Por que não ligar para a prostituta nesse exato momento?
- Paloma?
Nome de pomba. O poético é que essa jamais voaria.
- Quer me contar uma mentira? A mulher linda do outro lado da linha não entendeu porra nenhuma, mas riu da pergunta sem sentido.
- Que é, seu doido?
Atualmente era sua mulher predileta no mundo, a puta. Dizia até que ele tinha mãos macias, mas não esqueçamos a clientela costumeira da pobre mulher, nem a avidez da mesma pelas duas notas amassadas que ele deixava distraído sobre a mesa toda vez. O problema com as outras todas não era as mentiras, mas as mentiras erradas que contavam. Paloma contava as mentiras certas. E sempre cheirava muito bem, a despeito de viver num barril de merda.
- Não, o quarto 201 não, mataram minha amiga lá. - Não foi o que ela disse uma vez?
- Hoje não quero sexo.
- Não quer me comer por que, Alberto? Eu tô feia?
- Não, nada disso, você está mais magra inclusive - Mentira. Estava mais gorda, mas mais gorda tinha mais bunda e com mais bunda seu corpo ficava mais perfeito do que o habitual.
Olhou para ela e notou os olhos da menina que ela um dia deve ter sido.
- Hoje só vamos deitar abraçados e esperar que essa noite imbecil seja a última de todas.
- Última?
- Nada, Paloma, estou meio bobo hoje.
Deitaram sob um cobertor encardido, nus. Ela falou algo sobre a sujeira nas paredes, mas se fôssemos parar e reparar na sujeira, nos suicidaríamos, todos, às 6 da manhã de um dia qualquer.
- Ouviu um barulho? - disse Paloma
- Não. Não ouvi nada.
1 Comments:
Tem mais ai?
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