Saturday, June 26, 2010

Eu bebia uma cerveja qualquer num bar qualquer de uma cidade qualquer porque eu era um qualquer. Um homem tem que saber o seu lugar e eu morro de medo de sair do meu. É muito deselegante se enforcar na sala de estar de alguém que você mal conhece, sabe, coisas assim.
Esperava e esperava por uma mulher que andava dizendo que gostava de mim. A história havia me ensinado que às vezes vale a pena esperar e agora parecia uma dessas vezes. Ela ficava tanto vestida de branco quanto de preto, o tipo de mulher com quem se deve ter muita cautela. Ela sempre se atrasava, mas essa noite talvez estivesse tentando bater algum recorde.
Juro que comecei a prestar atenção no casal da mesa ao lado por puro tédio. Detesto esperar, mesmo mulheres que ficam bem de branco e de preto. Quando ouvi a frase que a mulher da mesa ao lado disse de modo seco na direção de sua companhia, pressenti diversão.
- Precisamos conversar.
Todos sabemos que grandes tragédias da humanidade já começaram com essas palavras e a tragédia alheia sempre é entretenimento. Só então dei uma olhada no homem que a acompanhava, tentando ler na sua expressão meio idiota o efeito daquelas palavras. Ele pareceu confuso, meio assustado, meio puto, mas nunca se sabe. Talvez estivesse contando as horas para sair dali e se enfurnar no puteiro mais próximo. Talvez caminhasse por uma hora e meia em silêncio até em casa e chorasse no banheiro como um bom macho educado. Talvez passasse a noite tentando argumentar com a mulher. Qualquer coisa inútil.
Diminuíram bastante o tom da conversa, talvez percebendo a minha invasão de privacidade. Eu disfarcei mal, mas não precisava ouvir as palavras. Era uma conversa banal na qual uma das partes de uma relação amorosa tenta educadamente explicar a outra que as coisas não vão mais ser como eram. Eu já estivera nos dois lados da mesa, de certa forma, sabia quase de cor as falas de ambos os personagens.
Em algum momento o homem levantou e foi embora meio cabisbaixo. A mulher ficou e terminou seu copo com alguma bebida escura. Eu quis dizer duas coisas, uma para cada um deles.
Para ela: Alguma cantada barata.
Para ele: Um conselho mais barato ainda. Sempre acaba bem. Ela voltaria para ele. Ou não e ele esqueceria dela. Só há finais felizes, meus caros.
Não disse nada. Preferi chegar em casa e escrever um conto ou qualquer coisa assim. Logo me ocorreu também que a mulher que eu esperava já deveria estar chegando, em algum momento isso teria de acontecer. Ela chegou vestida de cinza, não ficava mal assim.
- Precisamos conversar - eu disse.

Monday, June 14, 2010

Girls, Circo Voador, 12.06.2010


Parece ser mesmo o destino dos showzinhos organizados pelo sr. Lúcio Ribeirome surpreender. A última edição do festival organziado pelo jornalista me mostrou que o Friendly Fires ia muito além da enxurrada de bandinhas indie dançantes pós-Strokes e Franz Ferdinand.
Minha primeira experiência com a banda nova-iorquina Girls não me disse nada. A segunda me impressionou pela singeleza de algumas letras, em especial "Hellhole Rat Race" e "Laura", além das melodias mais inspiradas que boa parte das bandas hypadas diariamente pela imprensa musical.
Porém, aos primeiros acordes da primeira música percebi o potencial da banda ao vivo. Interessante notar como a produção modernosa de "Album", seu primeiro disco, dá uima ideia errônea da levada da banda. A voz de Christopher Owens funciona muito melhor ao vivo do que nas gravações. O som tem muito mais punch do que se supõe a partir do trabalho em estúdio, remetendo às melhores bandas inglesas do início dos anos 90 - recuso-me a usar o termo shoegaze.
Como todo bom show no Rio de Janeiro, o público foi mirrado, mas interessado. Boa a iniciativa, tão óbvia, mas estranhamente tão rara no Circo Voador, de um stand com os discos das bandas da noite à venda.
Na mesma noite houve ainda o Men e o Zemaria. Êstou com preguiça de falar sobre elas, sendo que a segunda nem assisti. Estava tarde, chovia, fazia muito frio e eu queria ir para debaixo das cobertas.
Concorda? http://www.youtube.com/watch?v=kqSx3FxPe00

Thursday, June 10, 2010

Ficando Velho No Rock'n'Roll

A terceira idade no rock'n'roll é um fenômeno relativamente recente, por razões óbvias, sendo o ritmo jovem, com data de nascimento em algum lugar dos anos 50. Coube aos eternamente transgressores, ao menos no que se refere ao mito, Rolling Stones, derrubar mais uma regra do mundo pop, talvez pelo puro acidente de terem sobrevivido e não saberem fazer outra coisa.
Muito se especulou na década de 90 sobre o quanto haveria de ridículo na performance dos sexagenários ao som do rock'n'roll, como se uma pessoa de idade avançada não pudesse sentir falta de "satisfação". Como se o rebolado de Mick Jagger não houvesse sido desde sempre cômico, ou Keith Richards não fosse feio desde jovem.
A década viu outros artistas importantes lidar com o peso dos anos, cada um a seu modo. Neil Young cantou "Keep on rocking in the free world" e contemporâneos seus como Dylan e Van Morrison assim o fizeram. A despeito de suas diferenças de estilo, uma tendência parece uní-los: um olhar carinhoso sobre as próprias raízes, como que a afirmação do clichê da volta à infância na velhice.
Dylan foi um artista inquieto por décadas. Seustrabalhos do final dos anos 60, meado dos 70 e mesmo os mal-afamados álbuns oitentistas desafiam qualquer tipo de classificação fácil. Van Morrison e seu amálgama de soul, funk, jazz e folk celta também deu trabalho aos rotuladores, assim como Neil Young, que até de música eletrônica com vocoder à la Kraftwerk atacou (vide o incompreendido "Trans").
No entanto, a primeira audição dos últimos trabalhos destes artistas revela pouca conformidade com a inquietação e a busca pelo novo, ao apostarem na reverência, ora ao próprio trabalho, ora aos gêneros mais tradicionais. Dylan com seus blues e rockabillies recentes, poderia estar em algum lugar dos anos 50 pré-rock'n'roll. O mesmo pode ser dito sobre Van, cujo trabalho há mais de uma década, pelo menos, segue numa sonoridade mais próxima do jazz tradicional e do chamado cancioneiro popular tradicional norte-americano dos anos 40 e 50 (tristemente abandonando os acentos funk/soul que tantas obras-primas nos trouxeram, tais como "Period Of Transition" e "Moondance"). Mesma coisa com Neil Young, cada vez mais fincando o pé no rock'n'roll clássico e no folk/country.
A ausência de inovação certamente não equivale à queda de qualidade na obra deles, falamos aqui de mestres. Da mesma forma, o simples esforço pela inovação não é garantia de bons resultados. Entretanto, num cenário no qual a juventude pouco faz além de eternos revivals pouco inspirados e artistas inquietos por natureza parecem se recolher a um canto quente para morrer em paz, prevalece a sensação de estagnação e imobilidade em nosso tempo, em termos de música pop.

Tuesday, June 01, 2010

Luiz Melodia, Teatro Rival, 22 de Maio de 2010

O tempo que levei para escrever sobre a apresentação de Luiz Melodia no Teatro Rival no mês passado foi o tempo necessário para recuperar-me do impacto, da humilhação diante de tanto talento. Melodia sempre será uma anomalia no estagnado e reacionário cenário da chamada música popular brasileira. Desceu o Morro de São Carlos no início dos anos 70, desafiando todo e qualquer estereótipo: sambista? Bluesman? Houvesse justiça no mundo pop, não teria deixado pedra sobre pedra com sua poesia incomum ("Baby eu te amo, nem sei se te amo" e "O amor da morena maldita domingo no espaço" são só os exemplos mais óbvios de sua lírica intrincada) e sua música inclassificável. Contudo, falamos do país em que um medíocre fanhoso como Roiberto Carlos é chamado de "Rei" (quem precisa deles?), então, nada mais normal que mesmo com tantos anos de carreira, Luiz melodia ainda seja um pazer para poucos.
A regra para um show do cantor seria então esperar o inesperado. Se no seu último trabalho havia sido uma releitura de sambas clássicos dos anos 30, 40 e 50, no espetáculo em questão o cantor se concentrou em canções de amor, de sua autoria ou não. No palco, uma formação acústica e minimalista, dois violões (quase sempre um de nylon e um de aço - já aí fazendo a diferença, sendo a primeira opção a velha mania dos músicos tão tristemente amarrados às raízes da MPB) e um cavaquinho (na maior parte do tempo excessivamente virtuoso e tolo).
Melodia domina o palco como poucos. Cada vocal, cada gracejo, cada resposta a gracinhas da platéia são iluminadas pela malandragem que transborda do cara. Sua voz passeia pelos improvisos do jazz sem jamais negar a herança do samba. Entenderam, meus jovens? Nada é postiço. Só asim pode existir uma verdadeira mistura em termos de música. Ponto alto, na minha opinião? Reger o comportado público em suas mesinhas com versos como "Tento o suicídio/com caco de telha, com caco de vidro". Impossível não voltar para casa um pouco iluminado pelo som daquele senhor vestido de branco.
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