Começou com um cigarro. Ela acendeu um cigarro lentamente, com a precisão de um torturador da Inquisição e começou a falar. Eu interrompi, porque aquilo estava começando muito errado, muito mal.
- Mas você não fuma!
- Não, meu bem, eu fumo. Eu sempre fumei.
Estaria eu enganado sobre os discursos inflamados a respeito dos malefícios do cigarro? Estaria ela se aproveitando do pouco que confio na minha própria memória?
Como eu dizia, ela começou a falar.
- Preciso dizer umas verdades. Você aguenta?
- Se doer demais, eu grito. Algo assim.
Enquanto tirava a peruca, revelando longos cachos loiros, a ex-morena que eu amei meio antes da hora falou, ressoando na noite, metálica.
- Não era amor, não podia ser amor, o amor costuma levar um pouco mais de tempo, segundas estatísticas universalmente comprovadas...
- Me poupe dos números.
- Ok, disso posso te poupar. - disse enquanto tirava as lentes, revelando um olho de cada cor. - Claro que usei a palavra amor, mas precisava me garantir de que, na hora exata, seria eu a finalizar o processo. Foi preciso ter certeza de que eu não seria a pessoa mais envolvida...é complexo. Posso cantar uma música do Nelson Cavaquinho que...
- Não, não, não cante. - Eu quis dizer que ela era uma péssima cantora, mas por uma razão, não consegui. Sou péssimo com a sinceridade.
Tive a impressão que seus dentes cresciam ou diminuíam, mas ao menos ela não cantou.
- As conversas me mataram de tédio, quase. - Das mãos estranhamente finas surgiram dois mínúsculos fones de ouvido, que ela usava nas ocasiões em que eu, excitado demais, expunha as minhas "ideias". Aspas dela.
- Suas "ideias" faziam com minha paciência o que seu pau devia fazer com meu corpo. E o sexo era ruim. Se eu disse o contrário, foi só porque se já era insatisfatório com meu apoio, que dirá sem ele. Mas o pior de tudo era o beijo.
- É, três mulheres já me disseram que beijo muito mal, e três mulheres não podem estar erradas.
- Não estamos. Não foi divertido. Você desperdiçou meu tempo.
Eu disse que gritaria, mas sei lá. É isso, sei lá. Não sei. Não sei o que deu em mim.
Ela me olhou, sem pena, com a curiosidade de uma criança que prende um inseto num pote para que ele...morra, porra, para quê se prende um inseto num pote?
- Tudo bem?
Menti.
- Você me odeia?
Menti.
- Não sei bem para que serve a palavra, mas podemos ser amigos?
Menti uma terceira vez, enquanto ela removia a perna direita por um modelo mais fino e moderno.
Aquela mulher que era outra achou por bem terminar o assunto e seguir seu caminho, levando sua sinceridade.
Eu fiquei com uma mentira débil nas mãos no meio da madrugada.
Quando ela me perguntou se eu havia escrito isso para ela, respondi com minha última mentira.