Diferentemente de todos os outros artistas que conhecia, Francisco não pintava quando sentia muita coisa. Amor, por exemplo, era um desastre para sua arte. Toda vez que se encantava por uma mulher, tudo o mais ficava em segundo, terceiro plano. No caso de mais uma de uma, o mundo sumia numa névoa distante. Mas não o chame de idiota ainda, se você o conhecesse, provavelmente gostaria dele. Talvez até o entendesse. Ele tinha seus momentos.
Raiva também não ajudava. Quando sentia raiva, tinha vontade de dormir, às vezes dormia por 36 horas até que a raiva passasse. Fora isso, dormia pouco. Sua inspiração vinha mesmo naquelas tardes idiotas de quarta-feira em que até a semana esquece de si. Lá pelas 3, enquanto pessoas respeitáveis estão em seus escritórios rezando pelo fim do expediente, como se tivessem uma vida do lado de fora daquelas salas com divisórias de madeira quase amarela, ele enchia suas telas. Sentia a brisa entrando por um ouvido e saindo do outro lado da sua cabeça.
Francisco, quando jovem, queria ter sido cantor, mas tinha problemas sérios com o tom, além de uma voz fraca e anasalada, que só piorou com o tempo. Escolheu a pintura porque adorava viver sujo e essa era uma boa desculpa. Algumas mulheres disseram a ele que tinha talento, especialmente as que queriam deitar em sua cama.
Mas agora tinha 40 anos e seus pincéis o entediavam. A única coisa que ainda lhe dava a ilusão de viver era a dupla de mulheres que vez ou outra tiravam a roupa para ele. Ele sonhava com um mundo diferente, em que pudesse apresentar uma à outra e confessar a ambas o bem que faziam a ele quando ficavam nuas.
A que era cientista um dia pediu que ele a pintasse nua, o que o deixou furioso. "Já não há gente nua demais nas telas?", "Por que eu dividiria com o mundo a sua nudez que é tão sua e levemente minha?", foram algumas das perguntas que fez, muito sério. Por um segundo teve ódio dela, tão apaixonada por si própria a ponto de querer eternizar a própria figura, ainda que eternizar não fosse exatamente a palavra, já que os quadros passam, como tudo mais que o ser humano inventa.
A que não fazia nada nunca pediu nada também. Mentira, ela pediu uma coisa só, que ele mudasse completamente, que tomasse banho todo dia, que fosse mais sensato e parasse de viver no que chamava de "prolongamento doentio da adolescência". Ela queria dar um fim nas teias de aranha nos cantos e que ele tivesse um objetivo. Nunca lhe ocorreu que ele simpatizasse com as aranhas e tivesse diversos objetivos, todos perfeitamente inalcançáveis.
Francisco mentia tanto para as duas, que precisava inventar uma desculpa que era mais ou menos assim, "se eu dissesse a verdade nua e crua para elas, elas não suportariam", quando na verdade o problema é que elas talvez nunca mais ficassem nuas junto dele. E Francisco só era feliz pelos rápidos segundos em que elas ficavam nuas esperando por ele, todo o corpo como um sim, breves momentos antes do ritual ancestral do sexo, por assim dizer.
Uma vez, ele ligou para um velho amigo, que era velho mesmo, inclusive, perguntando por quê dizemos que as mulheres nos dão, quando falamos de sexo, se ao final do ato, não possuímos muito mais do que tínhamos antes. Por vezes até sentia que tinha menos, ao fim dos embates. Seu amigo o chamou de viado e o mandou tomar no cu, o que não o ajudou em nada com suas dúvidas e nem pareceu uma sugestão atraente.
Isso é tudo que saberemos de Francisco.